O fim das horas in itinere

O fim das horas in itinere

Algumas das mudanças trazidas pela Lei nº 13.467/2017 (conhecida como “Reforma Trabalhista”) merecem destaque, por trazerem importantes reflexões sobre o ambiente empresarial e suas relações de trabalho.

Uma notável e esperada mudança instituída pela Reforma Trabalhista foi a extinção das horas “in itinere” como uma obrigatoriedade no meio laboral, isto é, o fim do cômputo na jornada de trabalho e pagamento das horas de transporte cedido aos empregados por seus empregadores.

Tal instituto era fruto de construção jurisprudencial, erigido para impor o pagamento do tempo de transporte dos empregados de suas residências para o trabalho, ou vice-versa, quando atendidos alguns pré-requisitos, pois se entendia que os trabalhadores estavam à disposição do empregador durante tal traslado, tendo essa jurisprudência posteriormente sido inserida na CLT, mais especificamente em seu artigo 58, parágrafo 2º, em cuja redação (anteriormente às alterações da Reforma Trabalhista) lia-se o seguinte:

“Art. 58 (…) § 2o O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.

As horas in itinere compreendem o período consumido pelos empregados em transporte provido pelo empregador, tanto para o trajeto de ida, como para o de volta do trabalho, sendo que o local de prestação dos serviços deverá ser de difícil acesso ou não ser servido por transporte público.

Dessa forma, e muito embora a CLT, em seu artigo 4º, considere como serviço efetivo apenas o período em que o empregado de fato fique à disposição do empregador (na espera de ordens ou efetivamente executando tais ordens, o que pode ser sintetizado como tempo aguardando o trabalho ou executando o trabalho), o legislador resolveu abranger ao máximo a ideia do “tempo à disposição”, de modo que tal conceito abarcasse também o tempo dispendido pelos empregados em transporte viabilizado pelo empregador.

Tal desdobramento do conceito do “tempo à disposição” foi fruto de situações de trabalho extremadas, originado, mais especificamente, para trabalhadores de minas, os quais passavam por caminhos demorados e tortuosos até que se atingisse o local de prestação de seus serviços, também levando em conta a ausência de alojamentos que fossem próximos ao local de trabalho.

Não muito tempo depois, diversas classes de trabalhadores que também dispendiam diversas horas no deslocamento até seus postos de trabalho, foram abarcadas pelo alongamento do conceito, classes estas como as dos petroleiros, do setor da extração de celulose e até mesmo da construção civil.

Começou-se, entretanto, a questionar se as dificuldades (sejam elas técnicas ou econômicas) que outrora justificavam o reconhecimento das horas in itinere ainda persistiam nos tempos atuais, uma vez que muito se se modificou no panorama das condições de trabalho desde os idos da construção jurisprudencial de tal instituto.

Questionava-se, ainda, se havia alguma sentido em onerar ainda mais aqueles empregadores que estavam se dispondo a prover transporte para seus empregados se deslocarem de suas casas para o local de trabalho ou no sentido inverso, quando uma grande parte da força de trabalho nacional gastava até mais tempo em seus deslocamentos nas metrópoles e zonas urbanas em geral, porém sem percepção do direito às horas in itinere.

A situação beirava a distopia, uma vez que os trabalhadores de grandes cidades podiam gastar diversas horas para chegar ao trabalho, sem que recebessem qualquer contraprestação econômica pelo tempo dispendido, enquanto outros trabalhadores, muitas vezes gastando bem menos tempo no traslado casa-trabalho (e ainda recebendo o transporte de seu empregador), ganhavam por tal período como horas trabalhadas.

Diante da disparidade que onerava parte do empresariado, que não poderia continuar sendo penalizado por uma ação que deveria ser vista como algo positivo, a Reforma Trabalhista veio em boa hora, alterando a redação do já citado artigo 58 da CLT, em seu parágrafo 2º, que passou a ser a seguinte:

“Art. 58 (…) § 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador”.     

A reforma legislativa trouxe, por conseguinte, a extinção das horas in itinere , não mais se considerando tal situação como sendo de “tempo à disposição”. Com isso,  fica evidente que a necessária mudança trazida pela Reforma Trabalhista teve como um de seus objetivos balancear e continuamente estabilizar as relações de trabalho e a extinção das horas in itinere será importante contributo para esse ideal.  


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