O ISS fixo e as sociedades limitadas
Há tempos foi pacificado o entendimento de que o artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/1968 não foi revogado com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 116/2003, embora a novel legislação tenha sido editada justamente para fazer as vezes de norma geral de tributação do Imposto Sobre Serviços – ISS.
Esse tema possui enorme relevância porque o cinquentenário decreto-lei estabelece regime de tributação especial para aqueles que exercem atividade intelectual de natureza científica, literária ou artística, cujo trabalho se desenvolva sob forma e responsabilidade pessoais.
Trata-se da sistemática que popularmente é conhecida como “ISS Fixo”. O seu racional é desvincular a incidência do imposto da remuneração percebida por profissional que exerça atividade não empresária, ainda que o faça reunido em sociedade.
É justamente nesse último permissivo que reside a grande celeuma sobre o tema, pois a legislação dos municípios tem se esforçado em criar entraves além dos requisitos já previstos no parágrafo 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/1968, visando impedir a fruição do benefício fiscal por sociedades que prestam justamente serviço sob responsabilidade pessoal do sócio.
Em que pese os excessos nos empecilhos criados pelos municípios, não é raro encontrar julgados de tribunais mais desavisados convalidando ilegalidades e distorções ao regime do “ISS Fixo”.
É bom se dizer que alguns critérios adotados tanto na legislação municipal, como na jurisprudência condizem com o intuito do legislador federal, tais como a unicidade na atividade profissional exercida pelos sócios (sociedade uniprofissional), a existência de legislação específica regulamentando a profissão dos sócios (profissão regulamentada) ou ausência de atividade econômica organizada para produção de serviços (sociedade não empresária).
Contudo, há especificamente uma barreira que enseja maior preocupação em razão da distorção de normas e da confusão de conceitos que nela estão incrustradas, sobretudo, porque vem recebendo temerário selo de validade da jurisprudência pátria.
Está-se falando do óbice à tributação do “ISS Fixo” imposto a sociedades simples que tenham sido constituídas na modalidade limitada.
Há julgados inclusive no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “as sociedades constituídas sob a forma de responsabilidade limitada não atendem ao disposto no art. 9º, § 3º do DL 406/68, razão por que não fazem jus à postulada tributação privilegiada do ISS”[1].
Ocorre que é falaciosa essa presunção de que se faz empresária toda e qualquer sociedade pelo mero fato de haver cláusula de responsabilidade limitada em sua constituição.
Afirma-se isso porque a cláusula de responsabilidade limitada é inócua no tocante ao exercício de profissão regulamentada, sendo irrelevante à aferição de requisito essencial à fruição do “ISS Fixo”, qual seja, a assunção de responsabilidade pessoal pelo exercício da profissão por parte dos sócios da sociedade.
O alcance da previsão contratual de responsabilidade limitada se restringe a atos societários praticados no âmbito da personalidade jurídica da sociedade, isto é, aqueles atinentes à sua gestão e administração como, por exemplo, contratação de empregado, recolhimento de tributos, aquisição de bens de consumo, celebração de contrato de aluguel ou fornecimento de energia, etc.
De outro lado, o que de fato interessa ao espectro de incidência do “ISS Fixo” é a forma pelo qual o sócio responde pelo exercício de sua profissão.
Como regra, a responsabilidade profissional decorre diretamente da regulamentação específica da profissão. É o que ocorre com o exercício de advocacia (Lei nº 8.906/1994), de contabilidade e auditoria (Decreto-Lei nº 9.295/1946), de profissão na área da saúde (art. 951 do Código Civil), de engenharia (Lei nº
5.194/1996), dentre diversas outras atividades.
Considerando que a cláusula contratual de responsabilidade limitada não tem o condão, sequer a pretensão, de afetar atividade profissional alguma, ao passo que o exercício de profissão regulamentada, como a própria denominação induz, sujeita-se a regras de responsabilidade previstas na respectiva legislação, logo, parece ilógico analisar a referida cláusula no que toca ao “ISS Fixo”.
Embora a duas Turmas especializadas em matéria de Direito Tributário do Superior Tribunal de Justiça possuam julgados no caminho da tese ora rebatida, há na própria Corte precedentes favoráveis aos contribuintes, sendo que subsiste a expectativa de que o tema controvertido seja pacificado, preferencialmente no sentido da melhor exegese dos dispositivos legais envolvidos.
[1] AgRg no AREsp 155.844/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 31/03/2016
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